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Área de concordância: a agricultura e a conservação podem coexistir nas montanhas da Ásia Central?

Fundação Aga Khan

12 março 2025 · 5 Min

Encontrar um equilíbrio entre as necessidades agrícolas e ambientais, para que as comunidades tenham segurança alimentar e sejam resistentes ao clima, é fundamental.

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Sendo um oásis verde no meio de vastas extensões de deserto e planícies, as imponentes montanhas da República do Quirguistão e as comunidades que as habitam enfrentam um futuro cada vez mais incerto.


Num cenário de expansão das atividades humanas e de um planeta em aquecimento, sustentar as comunidades de montanha e os ecossistemas dos quais elas dependem é um desafio delicado - definido por um impasse aparentemente irreconciliável entre a agricultura moderna, a conservação da biodiversidade e o ambientalismo.


Nas palavras de um especialista, “a agricultura é o maior inimigo das florestas”.


A criação de animais continua a ser a principal causa da desflorestação em todo o mundo, com as florestas a serem destruídas e substituídas por pastagens e terras agrícolas.

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São antigos os alertas para os impactos da desflorestação e da degradação florestal nas regiões montanhosas - onde a perda de árvores leva à erosão do solo, interrompe os ciclos da água e ameaça a biodiversidade - e os ecologistas e investigadores estão cada vez mais preocupados com a forma como essas alterações afetam as comunidades de montanha.


Sem as florestas para estabilizar a terra e sustentar um microclima, o degelo acelera e aumenta o risco de deslizamentos de terra. Isso torna a desflorestação prejudicial não só para os ecossistemas, mas também para a vida e os meios de subsistência das populações locais.


E embora as florestas das montanhas do Quirguistão tenham sido outrora destruídas para abrir caminho aos projetos de construção soviéticos, hoje estão a ser invadidas para dar lugar ao pastoreio de gado. Segundo o Our World in Data, a agricultura continua a ser a principal causa da desflorestação em todo o mundo, com as florestas a serem destruídas e substituídas por pastagens e terras agrícolas. Então, será possível a agricultura e a conservação coexistirem nas montanhas da Ásia Central?


Encontrar o equilíbrio


"Agricultura versus silvicultura" é uma perspetiva controversa. “Isso faz parte do problema que temos. Os ambientalistas não vão reconhecer que as pessoas têm de viver e cultivar alimentos”, afirma Apoorva Oza, Diretor Global para a Agricultura, a Segurança Alimentar e a Resiliência Climática da Fundação Aga Khan (AKF).


Tradicionalmente uma sociedade agrária, cerca de 40% da força de trabalho da República do Quirguistão - muitos deles camponeses pobres - contribui para o setor agrícola. A silvicultura também desempenha um papel económico significativo: segundo um relatório de 2020 do Banco Mundial, os produtos florestais do Fundo Florestal do Quirguistão contribuíram com 11,3 mil milhões de soms (aproximadamente 130 milhões de dólares) para a economia nacional em 2018, representando cerca de 2% do PIB.


Os números nacionais destacam a profunda ligação entre a biodiversidade, a gestão dos recursos naturais e as economias locais nas imponentes montanhas da República do Quirguistão. 

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Estes números destacam a profunda ligação entre a biodiversidade da montanha, a gestão dos recursos naturais e as economias locais – e sublinham o equilíbrio que é necessário para apoiar agricultores e florestas, ao mesmo tempo que se garante uma sustentabilidade a longo prazo tanto para as comunidades como para os ecossistemas.


Oza alega que, para alcançar este equilíbrio, é necessário haver uma abordagem holística e multifacetada, que integre a agricultura sustentável, promova as economias alternativas e reforce a resiliência climática. Sugere que só uma abordagem conjunta destes desafios interligados poderá garantir um futuro verdadeiramente sustentável.


“O todo para a parte”


Refletindo sobre a noção de que os ambientalistas e os agricultores estão em desacordo, Oza brinca dizendo que a divisão resulta de uma mentalidade redutora.


Ele acredita que é uma atitude que atomiza o conhecimento e leva à tensão entre os meios de subsistência - como indicaram os especialistas. “Portanto”, sublinha Oza, “os silvicultores conhecem as florestas, os agricultores conhecem a agricultura, os criadores de gado conhecem a pecuária. Cada um sabe a sua parte.”


O facto de os especialistas do sector se concentrarem apenas na sua área de especialização, aliado a uma abordagem agrícola que dá prioridade à produtividade e que promove a monocultura, resultou ainda mais em práticas ecologicamente prejudiciais.


Sem as florestas para estabilizar a terra e sustentar um microclima, o degelo e o risco de deslizamentos de terra aceleram, ameaçando os ecossistemas, a vida e os meios de subsistência.

AKF / Christopher Wilton-Steer

Os pesticidas e os fertilizantes químicos, embora melhorem a produtividade, também contaminam as águas subterrâneas, deterioram a qualidade do solo e degradam as florestas. No entanto, as pessoas bem-intencionadas que trabalharam arduamente, ficaram acordadas até tarde e fizeram investigação científica [para desenvolver estas práticas], defende Oza, ignoraram a forma como a sua especialização poderia afetar o ecossistema e contribuir para o impacto significativo da agricultura no planeta: “não viram a interseccionalidade.”


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“Se voltarmos aos métodos de cura tradicionais, ninguém nos cura às partes. Todos estes sistemas são o ‘todo para a parte’”.

Apoorva Oza, Diretor Global para a Agricultura, a Segurança Alimentar e a Resiliência Climática da AKF

É por isso que Oza acredita que compreender o contexto mais amplo e ver o mundo como um todo interligado - uma visão frequentemente incorporada nas visões do mundo e nas práticas indígenas - deve ser uma prioridade face ao estudo de componentes individuais.


“Se voltarmos aos sistemas de cura tradicionais - o Ayurveda indiano ou a Medicina chinesa - ninguém nos cura por partes. Todos estes sistemas assentam no “todo para a parte”.


Oza diz ainda que, se queremos encontrar um equilíbrio entre as necessidades dos agricultores e dos ambientalistas, é essencial que o agricultor seja reconhecido como multifacetado: criar gado faz dele um pastor, cultivar faz dele um agricultor e plantar árvores faz dele um silvicultor. Na sua essência, o agricultor abrange todas estas funções.


Conjugar o rigor científico com os sistemas de conhecimento indígenas


Com uma estimativa de 1,7 milhões de cabeças de gado na República do Quirguistão, uma grande parte da área terrestre do país - 94% da qual é montanhosa - serve para o pastoreio.


Eliorbek Ahmadjanov, agricultor e veterinário quirguiz, acredita que a mudança da quantidade de gado para a qualidade do gado irá reduzir o impacto negativo destes animais nas florestas montanhosas do país.


Foi por isso que começou a prestar serviços de inseminação artificial a vários criadores de gado, que, com animais de qualidade superior, podem melhorar a qualidade do leite e da carne e obter um rendimento mais elevado com menos gado. Com menos gado, a pressão sobre as pastagens e os ecossistemas montanhosos acaba por diminuir.


Eliorbek Ahmadjanov acredita que passar da quantidade para a qualidade de animais vai reduzir o impacto negativo do gado nas florestas de montanha do país.

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“Sei que a criação de animais é realmente má para a qualidade do solo e que leva à erosão e exaustão do solo. É por isso que a inseminação artificial e o aumento da consciencialização são importantes - para que as pessoas entendam que, em vez de terem 10 vacas, podem ter só 3 ou 4. Terão o mesmo rendimento, mas causarão menos danos. É passar da quantidade à qualidade.”


O método de Ahmadjanov é um exemplo de como os agricultores e os especialistas climáticos da AKF, trabalhando de uma forma iterativa, integraram uma abordagem científica baseada em evidências com os sistemas de conhecimento indígenas, para melhorar e contextualizar a agricultura. É uma abordagem que Oza descreve como “conjugar o conhecimento tradicional com o rigor científico”.


“Portanto, temos um sistema de conhecimento indígena que é profundamente holístico, combinado com uma abordagem experimental reducionista, mas baseada em evidências”, diz Oza. Refletindo sobre o legado do pensamento compartimentado, acrescenta: “Mas nós tornámos tudo binário: ou é isto ou é aquilo.”


Para promover práticas agrícolas sustentáveis, no entanto, Oza defende que “precisamos de uma conjugação destes dois sistemas”.


Ao ter em conta tanto as necessidades dos agricultores locais como o impacto das alterações climáticas nas florestas de montanha, através de uma abordagem holística à agricultura, os agricultores estão a emergir como participantes importantes na viabilização da restauração florestal e no esforço para proteger e manter os ecossistemas montanhosos, ao mesmo tempo que produzem rendimentos e mantêm as pessoas alimentadas.


“Compreender o todo e lembrarmo-nos da interseccionalidade”, alerta Oza, “é fundamental à medida que avançamos. Caso contrário, cometeremos os mesmos erros.”


Leia o artigo original do sítio da AKF.


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